Magnetismo cinético
Pesquisadores suíços detectaram um novo tipo de magnetismo, um ferromagnetismo fora do comum, que opera de modo diferente dos tradicionais ímãs de geladeira, por exemplo.
Neste chamado "magnetismo cinético", o material torna-se magnético porque a energia do movimento dos elétrons (energia cinética) é minimizada quando seus momentos magnéticos se alinham.
Para que um ímã grude na porta da geladeira, vários efeitos físicos precisam operar perfeitamente sincronizados.
Basicamente, os momentos magnéticos dos seus elétrons devem apontar todos na mesma direção, mesmo que nenhum campo magnético externo os force a isto. E isso acontece por causa da chamada interação de troca, uma combinação de repulsão eletrostática entre os elétrons e efeitos mecânicos quânticos dos spins dos elétrons, que, por sua vez, são responsáveis pelos momentos magnéticos.
Esta é a explicação mais aceita pelos cientistas para o fato de certos materiais - como o ferro ou o níquel - serem ferromagnéticos ou permanentemente magnéticos, desde que não sejam aquecidos acima de uma determinada temperatura.
Agora, porém, Livio Ciorciaro e colegas do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça (ETH) detectaram um tipo diferente de ferromagnetismo em um material produzido artificialmente, no qual o alinhamento dos momentos magnéticos ocorre de um modo completamente diferente.
Rede moiré
Tudo começou quando os pesquisadores produziram um material artificial sobrepondo camadas atomicamente finas de dois materiais semicondutores diferentes, o disseleneto de molibdênio (MoSe2) e o dissulfeto de tungstênio (WS2).
No plano de contato entre os dois, as diferentes constantes de rede dos dois materiais - a separação entre seus átomos - produziram um potencial periódico bidimensional com uma grande constante de rede (trinta vezes maior do que a dos dois semicondutores), que pode então ser preenchida com elétrons pela aplicação de uma tensão elétrica.
Esse padrão, em que as redes atômicas dos dois materiais estão ligeiramente deslocadas uma da outra, é conhecido como moiré ou super-rede, e já foi usado para criar um cristal feito de cargas elétricas, por exemplo. "Esses materiais moiré têm atraído grande interesse nos últimos anos, já que podem ser muito bem usados para investigar os efeitos quânticos de elétrons em forte interação. No entanto, até agora, muito pouco se sabia sobre as suas propriedades magnéticas," disse o professor Ataç Imamoglu.
Estas redes têm sido extensamente estudadas por conta de suas propriedades inusitadas, mas até agora ninguém havia estudado seu comportamento magnético.
[Imagem: L. Ciorciaro et al. - 10.1038/s41586-023-06633-0]
Enchendo o material com elétrons
Os pesquisadores começaram então a "encher" o material com elétrons aumentando constantemente a tensão elétrica aplicada a ele. Até o preenchimento de exatamente um elétron por sítio da rede moiré (também conhecido como estado isolante de Mott), o material permaneceu paramagnético. Mas, quando esse limite foi superado e o material continuou a receber elétrons, algo inesperado aconteceu: O material subitamente tornou-se magnético, comportando-se de forma muito semelhante a um ferromagneto nativo.
"Esta foi uma evidência surpreendente de um novo tipo de magnetismo que não pode ser explicado pela interação de troca," disse Imamoglu. Na verdade, se a interação de troca fosse responsável pelo magnetismo, ele deveria ter aparecido com menos elétrons na rede; o início repentino, portanto, aponta para um efeito diferente.
E esse efeito foi teoricamente previsto em 1966 pelo físico japonês Yosuke Nagaoka, que afirmou que, ao fazer com que os spins dos elétrons apontem na mesma direção, os elétrons minimizam sua energia cinética (energia de movimento), que é muito maior do que a energia de troca. E isso aconteceu tão logo havia mais de um elétron por sítio da rede dentro do material moiré. Como consequência, pares de elétrons podem se unir para formar os chamados pares emparelhados. A energia cinética é minimizada quando os pares emparelhados podem se espalhar por toda a rede através do fenômeno do tunelamento quântico.
Esse mecanismo já havia sido observado em sistemas-modelo, mas esta é a primeira vez que ele é detectado em materiais sólidos.
Como próximo passo, a equipe pretende fazer novos experimentos ajustando os parâmetros da rede moiré, para ver se o ferromagnetismo pode ser preservado até temperaturas mais elevadas - neste experimento, o material estava resfriado até um décimo de grau acima do zero absoluto.